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De cada 60 homens que partiam, dez morriam e 20 ficavam doentes; libras de ouro circulavam em Santo Antônio (2)

Por MONTEZUMA CRUZ

 Quando o nível do rio permitia, o transbordo obedecia à correnteza nas cachoeiras Jirau, Ribeirão e Teotônio, no Rio Madeira. Santo Antônio, via circular libras de ouro. Já em Belém a borracha fora incluída na pauta das exportações desde 1824, no valor de 4.500 réis por arroba, conta o médico, etnólogo e botânico Ary Tupinambá Penna Pinheiro. Réis era a moeda daquela época.

Batelão cheio de borracha; no Acre, século passado (Foto Acervo Biblioteca IBGE)

Em 1874 o valor exportado já era de 9.495 contos; em 1878 de 10.153 contos, valendo a libra peso 40 centavos de dólar nos Estados Unidos e 1 sh, 8 d na Inglaterra. Com a guerra franco-alemã, que começou em 1872, abaram-se os preços, mas se revigoraram ao final.

Nesta segunda parte das lembranças do transporte pelo Rio Madeira, antes da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, revivemos no Varadouro parte das crônicas amazônicas de Ary Pinheiro, publicadas no livro “Viver Amazônico.”

Conta o doutor Ary:

No ano de 1866, período da Guerra do Paraguai, o Brasil tinha interesse na ligação de Mato Grosso ao oceano Atlântico, entrando em entendimentos com a Bolívia, que também não tinha saída para o mar. Em 1861, o general Quentin Azevedo já aventava a hipótese de uma ligação férrea apoiada pouco depois pelo engenheiro Silva Coutinho, o que resultou num tratado, dia 7 de março de 1867.

Ary Pinheiro navegando com indígenas no Rio Guaporé (Foto Acervo Familiar)

Assinado na Bolívia, esse tratado permitia aos bolivianos navegar no Rio Madeira e seus tributários, surgindo em razão disso Madeira-Mamoré Railway Co e o Coronel Church, seu concessionário, já mostrando o interesse no transporte e comércio da Hevea, tanto brasileira como boliviana.

A firma inglesa Public Works mandou um grupo de engenheiros e técnicos para começar a construção no dia 6 de julho de 1872, os quais abandonaram todo o equipamento com poucos meses de trabalho e se retiraram. Church contratou uma firma americana, a P & T Collins, que também abandonou a empreitada.

Depois de assinado o Tratado de Petrópolis, numa concorrência primeiramente ganha por um brasileiro e depois transferida para Parcival Farquhar, em 1907, chegou a empresa norte-americana May and Randolph para finalizar a construção em abril de 1912, em Guajará-Mirim, com 364 quilômetros de extensão. Foram suspensos o trecho de 90 km entre Guajará-Riberalta, em solo boliviano, e a ponte sobre o Rio Mamoré, constantes do referido Tratado.

Mas nesse período os seringais estavam trabalhando intensamente e era necessário escoar o produto, e o caminho era o Rio Madeira, com suas cachoeiras. Villa Bella, na confluência dos rios Beni e Mamoré, origem do Madeira, no começo do século tinha 10 mil habitantes e três jornais.

A maior renda alfandegária era lá, tanto que no primeiro ano deste século o chefe da alfândega era o vice-presidente da Bolívia, don Lucio Pereza Velazco, também no comando boliviano com referência ao problema acreano.

A Casa Suarez tinha sua própria frota de embarcações, mas a borracha era tanta que eles também terceirizavam. Um freteiro conhecido foi don Ascencio B. Dorado, que viajava de Villa Bella a Santo Antônio.

Os batelões, assim chamadas as embarcações feitas de madeira itaúba eram de um porte médio para 1.500 ou 1.600 arrobas, representando aproximadamente 25 mil kg. A carga, no porto de Villa Bella, era feita pelos estivadores que, após pesá-las na alfândega, soltavam para que elas rolassem e caísse, na água, de onde eram embarcadas.

Levavam tudo na viagem. Além da borracha carregavam telas encauchadas e defumadas como tendas, garrafas de sal, caixas de velas, charque e farinha. Tinham 12 remadores, dois proeiros e o piloto no leme, além de quatro rifles Winchester 44 e farta munição.

A viagem levada de dez a 15 dias, pois era a favor da correnteza. Quando o nível do rio permitia só faziam transbordo em três cachoeiras: Jirau, Santo Antônio e Teotônio. Nas outras 16 menores, ou eram atravessadas diretamente, ou aliviavam a carga. A carga de descida, quase em sua totalidade borracha, não feria as costas dos homens quando tinha que ser carregada, mas a de subida, quase toda de caixas pesadas com reforços de ferro, era o terror dessa gente.

Tão eclética era a carga que até pianos de cauda foram transportados por essa via. Chegando a Santo Antônio eram entregues aos destinatários ou diretamente aos barcos no porto. A estada era a menor possível, pois sempre havia passageiros, quase todos estrangeiros, que carregavam caixas retangulares de madeira, com dobradiças de peltre e cheias de saquinhos com duzentas moedas de libras esterlinas em ouro.

Eram os famosos “cunhetes de libra” com mil libras cada, pesando de outo, 14g. A subida, com a metade da carga, de descida demorava 60 a 90 dias, tendo até “expressos” que viajavam mais rápido, só com passageiros, embora sujeitos a ataques de índios.

Nicolás Suarez, o “rei da goma” na Bolívia (Foto Acervo Familiar)

Não existiam ladrões, pois a punição para o roubo era só uma: não tinham para onde fugir. No retorno, de 60 homens que partiam, pelo menos dez morriam e 20 ficavam doentes. As bagagens eram religiosamente entregues às viúvas, com o pagamento completo da viagem. Somente o corpo ficava para apodrecer nas barrancas do rio, em cova rasa.

Segundo relata o historiador boliviano Wilson Michel, o conhecido “Rei da Goma”, Nicolás Suárez Callaú, nasceu em Santa Cruz de La Sierra em 1851. Ele era o caçula de oito irmãos concebidos da união de Rafael Suárez Arana, descendente direto de Lorenzo Suárez de Figueroa, governador espanhol de Santa Cruz que chegou àquelas terras em 1580, e Petrona Callaú Vargas.

O mais velho da linhagem, Pedro Suárez Callaú foi o primeiro a se mudar da região de Santa Cruz de Portachuelo para o noroeste do país em meados da década de 1850. “Ele fundou a Casa Suárez na pequena cidade de Reyes, uma empresa criada para a exportação de cascas. Diante do sucesso do empreendimento em crescimento, seus irmãos mais novos o seguiram e se estabeleceram no departamento de Beni, criado nos antigos territórios dos Gran Moxos, terra de mitos e lendas como a dos Gran Paitití; com a participação deles, a Casa Suárez diversificou seus negócios e começou a exportar borracha.”

Ainda, o doutor Ary:

Para alívio dos patrões, com a chegada à movimentada Vila Murtinho, Km 319 da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, essa epopeia foi abandonada, mas os preços do frete cobrados eram tão altos que, após a 1ª Guerra Mundial e o declínio do valor da borracha, algumas pessoas se arriscavam na descida do rio, levando seu produto. Mas voltavam de trem.

 

Leia a reportagem anterior:
Do terno de borracha à navegação: histórias do Doutor Ary, antes da Madeira-Mamoré (1)


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